Torcida única: remédio amargo, mas transformador
A presença das duas torcidas é um ideal a ser buscado, mas não podemos permitir que o futebol siga refém do medo
29/03/2025 10h05
Por Assessoria FPF-PE -

O futebol brasileiro é uma paixão que ultrapassa gerações e pulsa no coração de milhões de torcedores. É festa, tradição, identidade e pertencimento. No entanto, a violência que infelizmente tem contaminado os dias de jogos vem ameaçando essa celebração coletiva e afastando das arquibancadas aqueles que mais simbolizam o espírito do futebol: as famílias, as crianças e os torcedores comuns.
A adoção da torcida única surgiu como uma medida dura, mas necessária. Não se trata de extinguir a festa, mas de resgatar a sua essência. Desde que implementada em estados como São Paulo e, mais recentemente, em Pernambuco, a medida tem apresentado resultados concretos e significativos.
Em São Paulo, quando a torcida única passou a vigorar nos clássicos, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) registrou uma redução significativa nas ocorrências de confrontos nos dias de grandes jogos. Em Pernambuco, dados da Secretaria de Defesa Social (SDS) já indicam que, após a adoção da medida em clássicos e partidas de maior apelo da Copa do Nordeste, houve uma diminuição nas ocorrências de violência associada aos estádios e nas imediações em dias de jogos.
A Federação Pernambucana de Futebol (FPF), ao lado do Ministério Público de Pernambuco e da Secretaria de Defesa Social, assumiu a responsabilidade de liderar essa transformação. A decisão, ainda que não seja unânime entre torcedores e imprensa, tem um objetivo inegociável: preservar vidas e garantir que o futebol volte a ser, acima de tudo, uma festa.
É importante reconhecer que o futebol perde, sim, algo simbólico sem as duas torcidas. A rivalidade sadia, as provocações criativas e o espetáculo das cores nas arquibancadas sempre foram parte da cultura do nosso esporte. Nenhum dirigente desconhece esse valor. Todos somos torcedores e sabemos o peso emocional de ver os dois lados representados nas arquibancadas. Mas, diante dos dados e da realidade, a proteção à vida deve sempre prevalecer.
Os resultados não estão apenas nas estatísticas, mas também nas imagens que voltaram a ser frequentes nos estádios pernambucanos. Crianças retornaram às arquibancadas, famílias inteiras ocupam os assentos sem medo, idosos e pessoas com deficiência têm se sentido mais seguras. A atmosfera nos estádios tem sido mais leve e familiar, onde o que realmente importa é o espetáculo em campo — e não os confrontos fora dele.
Outro efeito positivo está na segurança pública. A torcida única permite uma atuação mais estratégica das forças policiais, que já não precisam mais mobilizar centenas de homens para escoltas, caravanas ou barreiras urbanas em diversos pontos da cidade. Esse modelo já mostrou que, além de proteger, também otimiza recursos, permitindo que a Polícia Militar concentre seu efetivo diretamente na proteção dos torcedores e na manutenção da ordem nos estádios.
É essencial reafirmar: a torcida única não é uma punição ao torcedor de bem. Pelo contrário, ela existe justamente para proteger a imensa maioria que ama o futebol, contra uma minoria que insiste em usá-lo como pretexto para a violência.
A FPF segue comprometida com a paz nos estádios e com a valorização da experiência do torcedor. Continuaremos apoiando todas as iniciativas que fortaleçam a segurança e a convivência saudável, como a ampliação do uso de reconhecimento facial, o cadastramento de torcedores e a modernização da gestão dos eventos esportivos.
A presença das duas torcidas é um ideal a ser buscado, mas não podemos permitir que o futebol siga refém do medo e da violência. Quando as condições permitirem, todos desejamos que ambas as torcidas possam voltar juntas às arquibancadas. Até lá, é preciso garantir que o futebol continue sendo acessível, seguro e alegre para todos.
É hora de avançarmos, inclusive em nível nacional. As federações em todo o país precisam considerar seriamente a adoção dessa diretriz, com base em dados e evidências concretas. Uma postura unificada permitirá que o Brasil, sem abdicar da sua paixão, construa um futebol mais seguro, justo e digno da sua grandeza.
A torcida única não é o fim da festa. É o início de um novo momento — mais consciente, mais humano e mais comprometido com a vida.
Evandro Carvalho
Presidente da Federação Pernambucana de Futebol